Em abril de 2016, o Panama Papers ganhou as páginas de jornais de todo o mundo, revelando a criação de 214 mil empresas offshore ligadas a mais de 200 países e territórios. As reportagens trouxeram à tona uma rede de corrupção que passava pelo escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, para ocultar recursos em paraísos fiscais. As investigações foram conduzidas pela maior cooperação de mídia da história: 370 jornalistas de mais de 100 órgãos de imprensa de 76 países, sob a coordenação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), analisaram 2,6 terabytes de dados. Os 11,5 milhões de documentos sobre quatro décadas de atividades da Mossack Fonseca foram entregues por uma fonte anônima ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung, em 2015. A série de reportagens caracteriza um trabalho coletivo em jornalismo de dados.
O jornalismo de dados é uma prática derivada do jornalismo de precisão, proposto por Philip Meyer na década de 1970, e da Reportagem Assistida por Computador (RAC). Segundo o professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG, Dr. Carlos D’Andrea, uma das interfaces do jornalismo guiado por dados é o jornalismo investigativo. A partir de dados públicos ou vazados, é possível descobrir tendências que podem resultar em denúncias, como mau uso de dinheiro público e corrupção. “O jornalismo de dados vive hoje um momento muito especial, por uma conjuntura de fatores sociotecnológicos que possibilitam que um volume muito grande de dados, principalmente públicos, esteja disponível na internet e que os cruzamentos dessas informações permitam identificar questões de interesse público”, afirma o pesquisador, membro do Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas (NucCon).
Argumenta-se que a análise de bancos de dados, usando técnicas e elementos associados ao método científico na rotina produtiva das notícias, introduziria mais objetividade e exatidão no trabalho jornalístico.
Apesar do alerta a uma crença cega nos dados e na ideia de objetividade, o pesquisador chama atenção para as potencialidades dessa prática jornalística. Ele explica que os dados podem ser matéria prima para a apuração jornalística e, a partir do cruzamento e estudos das informações, pode-se tirar pautas trabalhadas com entrevistas e técnicas mais tradicionais. “Muitas vezes você tem uma intuição, uma desconfiança, e tabulando dados é possível enxergar algo do qual emerge uma proposta de matéria. É um exercício que já fiz com alunos em disciplinas da graduação, por exemplo cruzando dados da prefeitura, sobre remuneração de vereadores” conta o professor da UFMG.
Outra vertente possível para o trabalho jornalístico é construir uma narrativa com os dados, através de visualizações. “Grandes volumes de informações dificultam a leitura e o entendimento. Softwares de visualizações criam narrativas e apontam tendências que o leitor dificilmente tem capacidade cognitiva de observar em outro contexto”, explica Carlos D’Andrea. É quando o dado deixa de ser apenas matéria prima e ganha um destaque definitivo no jornalismo.
Ferramentas de visualização cada vez mais potentes e amigáveis exigem menor qualificação técnica e possibilitam esse trabalho criativo do jornalista na construção de um diálogo com o público. Há ainda um esforço de pensar visualizações menos tradicionais. “Há um conjunto de visualizações que foi desenvolvido muito a reboque da consolidação da estatística como forma de conhecimento. São gráficos que são muito comuns, como barra, linha ou pizza, e o manuseio deles muitas vezes não é suficiente. Por exemplo, a atualização contínua dos dados demanda formas de visualização mais complexas e multifacetadas”, afirma Carlos D’Andrea. Nota-se, paralelamente à ampliação e consolidação do jornalismo de dados, um esforço de pensar e produzir novos modelos e experimentações acadêmicas e jornalísticas com visualizações.
Manual de jornalismo de dados, editado por Jonathan Gray, Liliana Bounegru e Lucy Chambers;
Farra do Fies, reportagem de Paulo Saldaña, Rodrigo Burgarelli e José Roberto de Toledo, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, que conquistou em 2015 o prêmio Exxonmobil de Jornalismo (antes conhecido como Prêmio Esso);
Seção Gráficos, do jornal digital Nexo;
NYTLabs, o grupo de pesquisa e desenvolvimento do The New York Times;
Datablog, do The Guardian.