Uma das políticas para atingir esse objetivo é de se estabelecer um teto de gastos para o Estado, com a intenção de inviabilizar o crescimento das despesas acima do nível da inflação do ano anterior. Subjacente a essa proposta, repousa a preocupação com as verbas públicas destinadas a setores como educação, saúde e segurança. Pesquisadores têm chamado atenção para a possibilidade da queda de investimento nessas áreas que, se concretizada, colocaria em risco ganhos sociais obtidos desde a promulgação da Constituição de 1988.
A nossa atual constituição, além de consagrar um extenso rol de direitos fundamentais, ligados às liberdades individuais, garantiu vários direitos sociais, como os direitos à saúde, à educação e à moradia. Para serem concretizados, os direitos sociais exigem prestações materiais do poder público, consolidadas por intermédio das políticas públicas.
A execução dessas políticas públicas depende da arrecadação de receitas pelo Estado e também de um planejamento que direcione a aplicação dos recursos públicos. Nesse sentido, o orçamento público é um instrumento fundamental na efetivação dos direitos sociais, uma vez que nele estão previstas as despesas destinadas a cada uma das áreas de atuação dos governos.
Apesar de ser um importante instrumento de planejamento do poder público, a legislação orçamentária, formulada por cada ente de maneira conjunta entre os poderes executivos e legislativos, não vincula o chefe do executivo, que muitas vezes gasta de forma diversa à previsão do orçamento público.
Com a finalidade de garantir maior equilíbrio entre a previsão e a execução orçamentária, no ano de 2000 foi promulgada a Lei Complementar 101, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela passou a responsabilizar os gestores públicos que gastam mais do que o previsto. Mas no atual contexto político e econômico do país, verificamos a insuficiência da lei de responsabilidade fiscal no trato do orçamento público. Ela não garante que a execução orçamentária preserve a efetivação mínima das políticas públicas voltadas para a promoção dos direitos sociais.
Dessa forma, o discurso que defende o corte de gastos como solução para nossa atual crise deve ser observado com cautela. A adoção de medidas restritivas tem o potencial de afetar o acesso aos direitos sociais de milhões de brasileiros que vivem uma realidade marcada pela desigualdade de renda e de oportunidades. Devemos sempre lembrar que o Brasil possui características próprias, sendo a nossa sociedade estruturalmente marcada pelas desigualdades sociais e econômicas. A elaboração de medidas fiscais não pode ocorrer de forma padrão, em formatos importados de outros países. Nossa realidade é diferente: exige-se uma maior compreensão do objeto a ser alvo de medidas políticas.
Coluna escrita com a colaboração de Ana Beatriz Oliveira Reis. Ana Beatriz é mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense e bacharela em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora.